90 anos de Connery. Sean Connery

Por MARCELO OROZCO

Se James Bond é um dos maiores e mais duradouros personagens do cinema, deve-se muito ao fato de o primeiro ator a interpretá-lo ter sido Sean Connery, que completa 90 anos de idade neste 25 de agosto. A trajetória dele como o agente 007 é bem contada no livro Some Kind of Hero: The Remarkable Story of the James Bond Films, de Matthew Field e Ajay Chowdhury, publicado em 2015 com a saga e muitas curiosidades sobre todos os longas da franquia feitos até então.

Aqui, vamos nos ater apenas às partes que envolvem Connery. Afinal, foi ele quem estabeleceu um parâmetro para James Bond que intimidou de alguma forma todos os sucessores – do breve George Lazenby a Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig, que está se despedindo da função depois de 15 anos.

Os cinco primeiros filmes com Connery, entre 1962 e 1967, garantiram 007 como um símbolo da cultura pop daquela década. Ele ainda voltaria a encarnar o agente do serviço secreto britânico em mais um filme oficial em 1971 e um extra-oficial em 1983, mas os clássicos são esses iniciais.

O escolhido

A empresa britânica Eon Productions assegurou em 1961 os direitos para cinema sobre os livros de James Bond do escritor Ian Fleming, que já eram um sucesso desde o primeiro volume (Casino Royale, de 1953). As buscas por um ator para ser o protagonista do primeiro filme (e, dando tudo certo, os que viriam depois) foram demoradas. 

Os sócios da Eon, Albert “Cubby” Broccoli e Harry Saltzman, tinham personalidades e métodos diferentes. Assim, cada um tinha suas preferências pelos candidatos ao papel. Um deles era Roger Moore (que viria a ser o terceiro 007 entre 1973 e 1985), descartado por parecer muito jovem – mesmo que ele fosse cerca de três anos mais velho que o eventual escolhido Connery. 

Dois fatores ajudaram Connery, um ator de 31 anos ainda se firmando. Ele tinha trabalhado em 1957 com Terence Young, já escalado para dirigir O Satânico Dr. No. E encantou Broccoli com seu desempenho em A Lenda dos Anões Mágicos (Darby O’Gill and the Little People, 1959), um musical da Disney. Mesmo assim, o produtor ainda tinha dúvidas sobre o sex appeal do escocês. 

O primeiro contato já demonstrou a personalidade forte de Connery. Quando Broccoli telefonou para chamá-lo para um teste, o ator retrucou: “Desculpe, mas eu não faço testes. Passei dessa fase. É pegar ou largar, mas sem teste”. 

Isso impressionou os sócios da Eon, que buscavam alguém com masculinidade intensa, não apenas na aparência. Além de um certo senso de humor para contrabalançar, algo com que Connery concordou desde o princípio.

Nas filmagens, Connery chegou a ficar nervoso na hora de fazer a cena em que, pela primeira vez, se apresenta como “Bond. James Bond” e precisou relaxar com um belo almoço e alguns drinques para, finalmente, registrar esse momento clássico do cinema.

Astro internacional

Sean Connery como James Bond (Reprodução livro Some Kind of Hero)

O Satânico Dr. No (no original, apenas Dr. No) estreou em Londres em outubro de 1962 e nos EUA em maio de 1963, tornando-se um estouro de bilheteria mundial. E transformando Connery num astro de primeira grandeza. O que traria problemas para a Eon Productions.

A princípio, o ator era reticente quanto a acertar um contrato para vários filmes porque queria ser profissionalmente livre. Mesmo assim, assinou. 

Imediatamente após o sucesso estrondoso do primeiro filme, Connery começou a querer uma renegociação financeiramente mais vantajosa para ele. Obviamente, Broccoli e Saltzman não queriam saber dessa conversa. Mas acordos pontuais acabaram acontecendo a cada filme.

Para ter noção do quanto o contrato não era generoso com Connery, basta comparar o salário que ele recebeu em 1964 por 007 Contra Goldfinger – 50 mil dólares – com o que embolsou no mesmo ano para estrelar Marnie, Confissões de uma Ladra, do diretor Alfred Hitchcock – 400 mil dólares.

Nas filmagens, Connery reclamou disso com o diretor Guy Hamilton, que lhe aconselhou: “Sean, meu querido, você tem um agente. Se o seu agente não é durão, há um monte de gente que gostaria de lhe representar”.

Raio laser e tubarões

Além do dinheiro, ocasionalmente havia certos riscos nas filmagens. Para a cena de 007 Contra Goldfinger, em que Bond está preso a uma mesa enquanto um raio laser vai se aproximando de sua região genital, o ator estava preocupadíssimo. 

A cena foi realizada com uma chama de acetileno (o laser foi incluído depois pela equipe de efeitos especiais) e Sean se encharcou de suor até que o fogo parou a sete centímetros de atingir seu corpo.

Já no filme seguinte, 007 contra a Chantagem Atômica (Thunderball, 1965), Connery ficou frente a frente com tubarões numa piscina, separado deles por uma parede transparente de acrílico. O problema é que faltou material e sobrou uma pequena brecha no fundo, que os tubarões logo descobriram. 

Enquanto os tubarões tentavam passar pelo buraco, o ator ficou aflito e isso foi registrado pela câmera. “O pavor genuíno no rosto de Sean Connery visto no filme não era atuação”, escrevem os autores de Some Kind of Hero.

Nunca mais outra vez

Connery anunciou à Eon Productions que Com 007 só se Vive Duas Vezes (You Only Live Twice, 1967) seria seu último filme como Bond. E assim foi naquela época.

“Agora farei apenas coisas que me despertam paixão pelos 35 anos de vida que me restam”, disse o ator em 1967 – e sendo pessimista em sua expectativa de vida, já que se passaram 53 anos desde essa declaração.

O substituto dele foi um modelo australiano chamado George Lazenby, sem experiência como ator. Treinado para atuar em 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (On Her Majesty’s Secret Service, 1969), ele foi uma peste no set e fora dele – o diretor Peter H. Hunt nunca mais lhe dirigiu a palavra depois do primeiro dia de filmagens e a estrela Diana Rigg sentia desprezo por ele, mesmo tendo de ser o par romântico na tela.

Além disso, o filme lucrou menos que os anteriores. Como não tinham um contrato para vários filmes, os produtores dispensaram Lazenby sem cerimônia e foram atrás de Connery para implorar que ele voltasse a ser Bond. 

A Eon teve de abrir os cofres. Um salário de 1,2 milhões de dólares mais 12,5% dos lucros convenceram Connery a retornar para 007 – Os Diamantes São Eternos (Diamonds Are Forever, 1971). “Por que voltei? Ora, o dinheiro que me ofereceram era tremendo”, disse o astro.

Foi um sucesso, mas ficou só nisso. Connery se recusou a fazer outros filmes com a Eon, que finalmente se conformou em não mais procurá-lo. 

Mas, em 1983, Sean voltaria a ser um veterano Bond em 007 – Nunca Mais Outra Vez (Never Say Never Again), um filme da Warner Bros. independente da franquia oficial da Eon. 

Foi uma bizarrice que é mera nota de rodapé para Connery, tanto como o agente secreto como para sua carreira de ator. A reputação dele só cresceu naquela década. Além de um belo trabalho em O Nome da Rosa, em 1986, ele ganharia um Oscar de Ator Coadjuvante por sua atuação inesquecível como velho policial em Os Intocáveis (1987), de Brian De Palma

Em 1989, ele também viveu o pai de outro personagem marcante do cinema em Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade), de Steven Spielberg. Mas, mesmo tendo provado que poderia fazer muitas outras coisas na tela, Connery sempre será o James Bond definitivo.

***

Some Kind of Hero: The Remarkable Story of the James Bond Films não teve edição brasileira. A versão em inglês pode ser comprada aqui.

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