Por MARCELO OROZCO
Algumas pessoas foram tão enormes que biografias sobre elas são desdobradas em dois ou até mais volumes. Muitos detalhes de seus feitos e personalidades seriam perdidos num único livro. Isso acontece mais frequentemente com grandes figuras da história e da política. No mundo do entretenimento, isso é mais raro, mas mereceram esse tratamento Frank Sinatra (1915-1998) e Elvis Presley (1935-1977).

Dois gigantes da música (com carreiras no cinema menos geniais mas com sua importância), eles foram agraciados por obras duplas impecáveis dignas de serem consideradas suas melhores biografias.
Sinatra, a “Voz do Século 20”, teve sua vida analisada pelo escritor e jornalista americano James Kaplan em Frank: A Voz e Sinatra: O Chefão, felizmente editados no Brasil pela Companhia das Letras em 2013 e 2015, respectivamente (as edições originais nos EUA são de 2010 e 2015).
Kaplan, 69 anos, também é co-autor de livros de memórias do ex-tenista John McEnroe e do comediante Jerry Lewis, além de uma bio do compositor Irving Berlin publicada no ano passado.
Já Elvis, o “Rei do Rock”, foi biografado pelo crítico musical americano Peter Guralnick em Last Train to Memphis: The Rise of Elvis Presley (1994) e Careless Love: The Unmaking of Elvis Presley (1999), que não tiveram edição brasileira até agora.
Guralnick, 76 anos, é um dos maiores estudiosos da história da música pop americana, com livros sobre blues, country, rock’n’roll e soul, além de biografias do bluesman Robert Johnson, do cantor soul Sam Cooke e de Sam Phillips, “descobridor de Elvis” e dono da gravadora independente Sun Records, de Memphis.
Em comum, essas bios em dois volumes são minuciosamente pesquisadas e bem escritas. E se dedicam a dissecar e tentar explicar para quem desafina até falando os talentos musicais ímpares que transformaram os dois cantores em mitos ainda em vida.
Essa atenção à música é muitas vezes deixada em segundo plano em outras biografias de Frank e Elvis, que se dedicam mais às partes conturbadas (ou, dependendo do tratamento dado no texto, escandalosas).
Aspectos como as ligações de Sinatra com mafiosos e seu temperamento explosivo. Ou as excentricidades e o progressivo vício em remédios legalizados de Presley (um coquetel de dezenas de pílulas que acabaria dando a pane fatal em seu corpo com apenas 42 anos).
Nem Kaplan nem Guralnick ignoram esses assuntos, mas tratam deles com sobriedade e sem passar a mão na cabeça dos biografados.
Sinatra por Kaplan
Frank: A Voz acompanha a “fase 1” do cantor, do início da vida e da carreira, passando pela “Frankmania” em 1942, quando era um ídolo romântico que causava histeria coletiva em adolescentes das adolescentes americanas – algo repetido anos depois pelas fãs de Elvis e dos Beatles.

Também passa pela bem sucedida (mesmo sem ser brilhante) carreira paralela de ator. E conclui com a decadência precoce na virada dos anos 1940 para os 1950, fracassado com os discos, perdendo a voz num show e jogado na sarjeta por Hollywood. Sem falar no casamento turbulento em crise permanente com a estrela Ava Gardner, que logo acabaria.
Essa primeira parte já é um bom livro, mas o melhor vem mesmo no seguinte. Sinatra: O Chefão pega a história em 1952, com o trapo ensaiando os primeiros passos para uma recuperação de fama e prestígio nunca vista antes no show business.
Frank estava tão por baixo naquela época que Irving “Swifty” Lazar, poderoso e influente agente de Hollywood, decretou: “Ele está morto. Nem Jesus ressuscitaria nesta cidade”.
Sinatra ressuscitou. No cinema, conseguiu a muito custo (com ou sem pressão da Máfia sobre um executivo do estúdio – depende do quanto você acredita que a historinha do filme O Poderoso Chefão é baseada nisso) um papel no drama de guerra A Um Passo da Eternidade (1953). Uma atuação surpreendente e intensa lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Musicalmente, conseguiu um lugarzinho na gravadora Capitol depois que a Columbia não quis mais seus serviços. Numa daquelas uniões que mudam completamente os rumos de uma vida, foi colocado para trabalhar com o maestro e arranjador Nelson Riddle, que abominava as baladas melosas do jovem Frank.

Riddle queria explorar um Frank mais maduro na voz e na vida após tantas surras nos anos anteriores. E preparar arranjos mais na linha big band de jazz, sem os violinos açucarados das baladas dos anos 1940 – quando havia violinos ou outras cordas, era mais para causar tensão e dar colorido.
Deu muito certo a partir do primeiro compacto (“I’ve Got the World on a String”, em 1953) e por muitos anos. Sinatra cantava como um adulto para adultos. E botou em prática, com um toque muito pessoal, tudo que absorveu de cantoras como Ella Fitzgerald e Billie Holiday.
O cantor também planejou com Riddle sequências de álbuns temáticos (um mais romântico seguido de outro mais dançante), possivelmente criando o que depois seria chamado de “álbum conceitual”.
Na segunda metade dos anos 1950 e o comecinho dos 1960, Sinatra era o artista mais poderoso dos Estados Unidos, talvez do mundo. Praticamente transformou a ainda vagarosa Las Vegas num lugar dos sonhos dos turistas graças a seus shows e suas farras com os amigos (especialmente Dean Martin e Sammy Davis Jr.) do grupo batizado de The Rat Pack.
Foi influente politicamente e se aproximou do então senador John Kennedy, a quem acabou ajudando a se eleger presidente em 1960 – e para quem também “apresentou” várias amigas, entre elas Marilyn Monroe.
A nova era do rock iniciada em 1964 por Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones mudou costumes e as regras do jogo na música. Sinatra pode ter se tornado antiquado naqueles tempos, mas nunca deixou de ser respeitado. E ainda era capaz de se destacar com um ótimo álbum de bossa nova/jazz em parceria com o brasileiro Tom Jobim em 1967, em plena explosão hippie.
Nas décadas finais, em que ele já era um monumento vivo que nem precisava fazer mais nada, o autor Kaplan ainda destaca a emoção que Sinatra sentiu em seu show no Maracanã em 1980. Ao ter um lapso de memória no meio de “Strangers in the Night”, o cantor ficou perplexo e feliz ao ver e ouvir a plateia brasileira prosseguir com a música cantando em inglês.
Elvis por Guralnick
Dos livros de Guralnick, Last Train to Memphis reconstitui a vida de Elvis até setembro de 1958, quando embarcou para servir ao exército dos EUA numa base na então Alemanha Ocidental por dois anos, logo após a traumática morte de sua querida mãe.
Esse período engloba os quatro anos em que ele se tornou o “Rei do Rock”, primeiro com compactos revolucionários em 1954-55 na pequena Sun Records, depois com sucessos mundiais pela grande gravadora RCA a partir de 1956. Além de quatro filmes bons de bilheteria e de qualidade decente, principalmente se comparados com as bombas que viriam nos anos 1960.

Mas é fascinante que o autor não se concentra apenas em Elvis. Ele apresenta um quadro muito rico do cenário musical do country branco e do blues e rhythm’n’blues negros nos anos 1940 e 1950, os estilos que Elvis (um rapaz sulista livre do racismo que imperava na região) somou e sintetizou de forma única em sua música.
Ou seja, Guralnick identifica cada ingrediente que fez Elvis ser Elvis.
Careless Love retoma a narrativa de onde o primeiro volume parou e vai até a morte em 1977. Enfim, fica com a parte mais dramática e melancólica. Na carreira, a vida preguiçosa em Hollywood com um filme besta atrás de outro e trilhas sonoras terríveis. E a manipulação constante de seu mesquinho e misterioso empresário, o Coronel Tom Parker.
Na vida pessoal, a reclusão em mansões (a de Hollywood e a lendária Graceland, em Memphis), cercado de “parças” que faziam tudo que ele pedia, falavam tudo que ele queria ouvir e basicamente não tinham outra função na vida a não ser a de amigos do Rei.
Guralnick parece ficar feliz quando pode voltar a falar de bons trabalhos musicais de Elvis, como seu especial de TV para a NBC em 1968 e um álbum de alto nível em 1969 (From Elvis in Memphis) sem ligação com algum filme medíocre, além do hit “Suspicious Minds”. Também é vista com simpatia a primeira leva de shows da era do macacão de lantejoulas em Las Vegas, ainda com vigor.
Mas logo Elvis voltou a botar carreira e vida em piloto automático. Shows e discos, numa agenda extenuante e talvez desnecessária, pareciam todos iguais e com aquela chama adormecida. Até que ela adormeceu para sempre.
As edições brasileiras dos dois volumes biográficos de Frank Sinatra por James Kaplan podem ser comprados on-line. Frank: A Voz neste link e Sinatra: O Chefão aqui.
Os dois livros de Peter Guralnick sobre Elvis Presley, em inglês, podem ser comprados pela Amazon brasileira. Last Train to Memphis aqui e Careless Love aqui.
Seu blog está nota 10, Marcelo. Sucesso e vida longa!
CurtirCurtir
Obrigado, Hernandez. Abraços!
CurtirCurtir
Adorei, comprei esses dois volumes do Sinatra, gosto muito dele e sempre quis conhecer melhor sua vida. O blog ta super legal Marcelo!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Muito obrigado, Fernanda
CurtirCurtir